quinta-feira, 22 de outubro de 2015

ABORTO DE ANENCÉFALOS

  1. APRESENTAÇÃO.
Inevitavelmente o tema proposto para objeto de estudo se mostra um tabu no cenário nacional quiçá mundial. Objeto de discussão recorrente em entidades religiosas, defensores dos direitos humanos e outras parcelas da sociedade os métodos abortivos em geral sempre causam grande repercussão. A questão é: Até que ponto e em quais casos a interrupção da gravidez se mostra valida mediante a não perspectiva de vida extrauterina?
Dessa forma, por repercutir de maneira geral na sociedade em meados de 2004 foi proposta uma ação pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, onde foi solicitada permissão para, em casos de anencefalia, a interrupção da gravidez. Antes, mulheres grávidas de fetos sem cérebro tinham de pedir à Justiça autorização para interromper a gestação, algo que podia ou não ser concedido pelo juiz. Fato é que após 8 anos da propositura da ação e intensos debates relativo a matéria, o julgado ocorrido no ano de 2012 pelo STF trouxe a tona o entendimento pacifico relativo a matéria, em que por 8 votos a favor e 2 contra, foi considerado pelo egrégio Tribunal que obrigar a mãe a manter a gravidez nesses casos especificos, apresenta riscos a sua saude fisica e psicológica. Para o relator do processo ministro Marco aurélio, “anencefalia e vida são termos antitéticos” , mas mesmo assim o tema está longe de consensos.
Dito e relatado os principais acontecimentos pertinentes ao tema – Aborto de anencéfalos – de maneira sumária apresentaremos as questões que são mais importantes para entendimento da matéria.

  1. O ABORTO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.
Quando se fala em aborto no Brasil, a polêmica está garantida. Independente do caso que se analisa, há um alvoroço nos diversos setores da sociedade na busca por respostas. A questão jurídica talvez seja o último ponto, quando se tem como referência, questões morais, éticas, sociológicas, religiosas, dentre várias outras. Se no ordenamento jurídico brasileiro constasse a previsão legal de excludente de antijuridicidade nos casos de aborto de anencéfalos, o problema já teria resolvido.
É certo que o Código Penal Brasileiro, datado da década de 40, não comportava as aspirações que a sociedade brasileira hoje possui e nem o avanço científico que a modernidade proporcionou. Também é certo, que avanços tecnológicos que identifiquem através de diagnósticos precisos, problemas de saúde graves e irreversíveis no nascituro são possíveis somente à sociedade hodierna. De 1940 até os dias atuais, já se passaram 72 anos, desse lapso temporal, houve mudanças significativas, tanto de valores sociais, como de avanços científicos nas diversas áreas das ciências, inclusive a médica, que hoje consegue com precisão e certeza, diagnosticar qualquer anomalia do feto e se é viável ou não, sua vida extrauterina.
No Código Penal Brasileiro de 1940, tem-se a previsão de excludente de ilicitude relacionado à interrupção da gravidez somente em duas situações: nos casos resultantes de estupro e nos casos terapêuticos. Nas duas situações a preocupação primordial é com a gestante, tanto no quesito psicológico quanto no clínico. Não existindo, no entanto, previsão para outros tipos de aborto.
O aborto é considerado crime no Brasil, salvo nos casos em que haja risco de vida para a gestante ou quando feto foi gerado em decorrência de um estupro. O Código Penal prevê pena de 1 a 3 anos de prisão para a gestante, e de 1 a 4 anos para o médico ou qualquer outra pessoa que realize nela o procedimento de retirada do feto.
  1. O QUE VEM A SER ANENCEFÁLIA.
A anencefalia é uma má formação rara do tubo neural, caracterizada pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural nas primeiras semanas da formação embrionária.
Ao contrário do que o termo possa sugerir a anencefalia não caracteriza casos de ausência total do encéfalo, mas situações em que se observam graus variados de danos encefálicos. A dificuldade de uma definição exata do termo baseia-se sobre o fato de que a anencefalia não é uma má-formação do tipo 'tudo ou nada', ou seja, não está ausente ou presente, mas trata-se de uma má-formação que passa, sem solução de continuidade, de quadros menos graves a quadros de indubitável anencefalia. Uma classificação rigorosa é, portanto quase que impossível.
Na prática, a palavra "anencefalia" geralmente é utilizada para caracterizar uma má-formação fetal do cérebro. Nestes casos, o bebê pode apresentar algumas partes do tronco cerebral funcionando, garantindo algumas funções vitais do organismo.
Trata-se de patologia letal. Bebês com anencefalia possuem expectativa de vida muito curta, embora não se possa estabelecer com precisão o tempo de vida que terão fora do útero. A anomalia pode ser diagnosticada, com certa precisão, a partir da décima segunda semana de gestação, através de um exame de ultrassonografia, quando já é possível a visualização do segmento cefálico fetal. 
O risco de incidência aumenta 5% a cada gravidez subsequente. Inclusive, mães diabéticas têm seis vezes mais probabilidade de gerar filhos com este problema. Há, também, maior incidência de casos de anencefalia em filhos de mães muito jovens ou nas de idade avançada. Uma das formas de prevenção mais indicadas é a ingestão de ácido fólico antes e durante a gestação.
  1. ABORTO DE ANENCEFÁLOS.
Os relatos de quem viveu na prática a experiência de um aborto legal são a prova de que é preciso avançar. Quando conseguiu a autorização judicial, Cátia imaginava que era só ir até um hospital e dar fim ao martírio, mas não foi o que aconteceu. A enfermeira se recusou a introduzir em seu útero o medicamento necessário para a interrupção da gravidez. “Ela queria que eu, com aquela barriga enorme, colocasse o remédio”, conta. Histórias semelhantes são contadas por mulheres que interrompem gestações que traziam risco à sua saúde ou foram originadas por violência sexual. Nesses casos, o aborto é permitido desde o Código Penal de 1940 sem necessidade de qualquer tipo de autorização judicial. Mas só 50 anos depois, em 1990, surgiu o primeiro hospital do País qualificado para o serviço pelo Ministério da Saúde, o Hospital Jabaquara, em São Paulo, que hoje compõe uma rede com outras 63 unidades de saúde em todo o País. “Não há impedimento para que outros hospitais realizem o aborto nos casos previstos em lei, mas oferecemos treinamento específico para algumas unidades”, explica Helvécio Magalhães, secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde. 


O governo federal faz sua parte, mas setores da sociedade às vezes tentam criar empecilhos. É o caso da Câmara Municipal de Anápolis (GO), que aprovou em 22 de fevereiro uma norma que proíbe os abortos legais nos hospitais municipais. Mesmo nas unidades de saúde há problemas. “Em geral, nem todos os profissionais do hospital apoiam o aborto e o bom atendimento vai depender de quem estiver na unidade”, diz Rosângela Talib, uma das coordenadoras do grupo Católicas pelo Direito de Decidir. É esse tipo de mentalidade que a decisão do STF pode ajudar a mudar. 

C., 27 anos, é testemunha dessa dificuldade. Sua filha de 12 anos foi violentada durante seis meses e a mãe só descobriu quando a gravidez veio à tona. No Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), um dos hospitais qualificados pelo Ministério da Saúde em Pernambuco, a menina recebeu, às 13 horas da terça-feira 10, a medicação para dilatação do útero horas antes da cirurgia, marcada para 20 horas. Ela deveria permanecer em jejum e receberia anestesias para evitar as dores causadas pelos remédios. Mas o anestesista se recusou a participar do procedimento. Veio o próximo turno e outra recusa. Enquanto isso, a menina permanecia sem comida e com dores lancinantes. Só no terceiro turno, às 9 horas da manhã seguinte, o procedimento foi realizado.


Cátia Corrêa enfrentou preconceito ao abortar um bebê anencéfalo
Para não participar, os anestesistas alegaram “impedimento de consciência”. A justificativa está de acordo com o Código de Ética Médica, que, em seu artigo 7º, diz que os profissionais não são obrigados a prestar um serviço que não desejam, mas coloca duas ressalvas: ausência de outro médico ou risco de danos irreversíveis ao paciente. “A alegação de impedimento de consciência é muito comum e ultrapassa os limites do razoável”, diz o ginecologista Olímpio Moraes Filho, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). 


O desconhecimento é outra face do problema. Por isso, a visibilidade do julgamento do STF também é importante. Pesquisa realizada pelo Ibope em 2007 sob encomenda do grupo Católicas pelo Direito de Decidir revelou que 48% dos brasileiros ignoram as situações em que o aborto pode ser feito legalmente. “O desconhecimento pode levar mulheres a buscarem métodos clandestinos e inseguros para o aborto, afinal é uma ilusão pensar que a proibição diminui o número de abortamentos”, diz o médico Thomaz Gollop. A trajetória de P., 24 anos, ilustra bem isso. A estudante foi violentada quando saía da faculdade em setembro do ano passado. Por medo e vergonha, não contou a história a ninguém que pudesse orientá-la sobre as precauções necessárias depois de um ataque desse tipo. Acabou, assim, engravidando. 

Sem saber que, nesse caso, tinha o direito de fazer o aborto na rede pública de saúde, tomou chás e remédios abortivos. Nada adiantou. “Não queria dentro de mim algo que me lembrasse o que eu tentava desesperadamente esquecer”, diz, chorando. Começou a procurar clínicas clandestinas e só parou quando a palidez e a excessiva perda de peso fizeram o ex-namorado pressioná-la para que contasse o que havia acontecido. Ele a levou à delegacia e, de lá, ela foi encaminhada ao hospital Pérola Byington, uma das referências nacionais nesse serviço. “Quem chega ao hospital deve ser tratada e não julgada. Cada um tem sua fé e seus direitos individuais, que precisam ser garantidos pelos agentes do Estado”, resume Clair Castilhos, secretária executiva da Rede Feminista de Saúde. É essa consciência que deve prevalecer.


  1. JURISPRUDÊNCIA RELATIVA À MATERIA.
Qualquer assunto relacionado ao Direito Penal, Direito Civil e demais áreas do Direito, insta destacar a parte jurisprudencial do conteúdo em que se apresenta até mesmo para uma confirmação daquilo que se está expressando ou comprovar aquilo que está sendo apresentado.
No assunto em questão (aborto de anencéfalos), segue abaixo o julgado que apresenta maior expressão para concluir o que foi proposto, devido à sua extensão, destacamos suas partes mais importantes:
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54 DISTRITO FEDERAL.
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
REQTE. (S): CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA SAÚDE - CNTS
ADV.(A/S): LUÍS ROBERTO BARROSO
NTDO. (A/S): PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em julgar procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal, nos termos do voto do relator e por maioria, em sessão presidida pelo Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas. Brasília, 12 de abril de 2012. MINISTRO MARCO AURÉLIO – RELATOR
Abaixo, em destaque, alguns trechos importantes:
“Não está em jogo a vida de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir normalmente vida própria, de modo que as consequências dos atos praticados se resolvem unicamente contra a mulher. O feto expulso (para que se caracterize o aborto) deve ser um produto fisiológico e não patológico. Se a gravidez se apresenta como um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer uma intervenção cirúrgica que pudesse salvar a vida do feto, não há falar-se em aborto, para cuja existência é necessária a presumida possibilidade de continuação da vida do feto.”
HABEAS CORPUS. PENAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE ABORTO. NASCITURO ACOMETIDO DE ANENCEFALIA. INDEFERIMENTO. APELAÇÃO. DECISÃO LIMINAR DA RELATORA RATIFICADA PELO COLEGIADO DEFERINDO O PEDIDO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRITPARA A DEFESA DO NASCITURO.
1. A eventual ocorrência de” abortamento fora das hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena corpórea máxima, irreparável, razão pela qual não há se falar em impropriedade da via eleita, já que, como é cediço, o writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro.
2. Mesmo tendo a instância de origem se manifestado, formalmente, apenas acerca da decisão liminar, na realidade, tendo em conta o caráter inteiramente satisfativo da decisão, sem qualquer possibilidade de retrocessão de seus efeitos, o que se tem é um exaurimento definitivo do mérito. Afinal, a sentença de morte ao nascituro, caso fosse levada a cabo, não deixaria nada mais a ser analisado por aquele ou este Tribunal.
3. A legislação penal e a própria Constituição Federal, como é sabido e consabido, tutelam a vida como bem maior a ser preservado. As hipóteses em que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, inadmitindo-se interpretação extensiva, tampouco analogias “in malam partem”. Há de prevalecer, nesses casos, o princípio da reserva legal.
4. O Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses autorizativas do aborto, previstas no art. 128 do Código Penal, o caso descrito nos presentes autos. O máximo que podem fazer os defensores da conduta proposta é lamentar a omissão, mas nunca exigir do Magistrado, intérprete da Lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo Legislador.
5. Ordem concedida para reformar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, desautorizando o aborto; outrossim, pelas peculiaridades do caso, para considerar prejudicada a apelação interposta, porquanto houve, efetivamente, manifestação exaustiva e definitiva da Corte Estadual acerca do mérito por ocasião do julgamento do agravo regimental. Daí o habeas impetrado no Supremo Tribunal Federal. Entretanto, na assentada de julgamento, em 4 de março último, confirmou-se a notícia do parto e, mais do que isso, que a sobrevivência não ultrapassara o período de sete minutos.”
AUDIÊNCIA PÚBLICA – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – ANENCEFALIA.
“1. Em 17 de junho do corrente ano, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS formalizou argüição de descumprimento de preceito fundamental, indicando como vulnerados os artigos 1º, inciso IV (dignidade da pessoa humana), 5º, inciso II (princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade), 6º, cabeça, e 196 (direito à saúde), todos da Constituição Federal, e, como a causar lesão a esses princípios, o conjunto normativo representado pelos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal – Decreto-Lei nº 2.848/40”.
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
“V O T O”
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Padre Antônio Vieira disse-nos: “E como o tempo não tem, nem pode ter consistência alguma, e todas as coisas desde o seu princípio nasceram juntas com o tempo, por isso nem ele, nem elas podem parar um momento, mas com perpétuo moto, e resolução insuperável passar, e ir passando sempre” – Sermão da Primeira Dominga do Advento.
“A questão posta nesta ação de descumprimento de preceito fundamental revela-se uma das mais importantes analisadas pelo Tribunal”. É inevitável que o debate suscite elevada intensidade argumentativa das partes abrangidas, do Poder Judiciário e da sociedade. Com o intuito de corroborar a relevância do tema, faço menção a dois dados substanciais. Primeiro, até o ano de 2005, os juízes e tribunais de justiça formalizaram cerca de três mil autorizações para a interrupção gestacional em razão da incompatibilidade do feto com a vida extrauterina, o que demonstra a necessidade de pronunciamento por parte deste Tribunal. Segundo, o Brasil é o quarto país no mundo em casos de fetos anencéfalos. Fica atrás do Chile, México e Paraguai. A incidência é de aproximadamente um a cada mil nascimentos, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, confirmados na audiência pública. Chega-se a falar que, a cada três horas, realiza-se o parto de um feto portador de anencefalia. Esses dados foram os obtidos e datam do período de 1993 a 1998, não existindo notícia de realização de nova sondagem. Para não haver dúvida, faz-se imprescindível que se delimite o objeto sob exame. Na inicial, pede-se a declaração de inconstitucionalidade, com eficácia para todos e efeito vinculante, da interpretação dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal. Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Pública Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 3673599.
“Elza Galdino relembra que o Decreto nº 001144, de 11 de setembro de 1861, indicava a natureza tolerante do Império brasileiro”. Transcrevo:
Faz extensivos os efeitos civis dos nascimentos, celebrados na forma das leis do Império, aos das pessoas que professarem religião diferente da do Estado, e determina que sejam regulados o registro e provas destes casamentos e dos nascimentos e óbitos das ditas pessoas bem como as condições necessárias para que os pastores de religiões toleradas possam praticar atos que produzam efeitos civis.
Antes de ser aclamado, cabia ao Imperador realizar o juramento de manter a religião católica como oficial e nacional, devidamente protegida, nos seguintes termos:
“Juro manter a religião católica apostólica romana, a integridade, a indivisibilidade do Império, observar e fazer observar a Constituição Política da nação brasileira e mais leis do Império e prover ao bem geral do Brasil, quanto em mim couber (artigo 103 do Texto Maior de 1824)”.
Sábias palavras de Nelson Hungria, a repercutirem neste julgamento, verificado cerca de sessenta anos após:
“É de conhecimento corrente que, nas décadas de 30 e 40, a medicina não possuía os recursos técnicos necessários para identificar previamente a anomalia fetal incompatível com a vida extrauterina. A literalidade do Código Penal de 1940 certamente está em harmonia com o nível de diagnósticos médicos existentes à época, o que explica a ausência de dispositivo que preveja expressamente a atipicidade da interrupção da gravidez de feto anencefálico. Não nos custa lembrar: estamos a tratar do mesmíssimo legislador que, para proteger a honra e a saúde mental ou psíquica da mulher – da mulher, repito, não obstante a visão machista então reinante –, estabeleceu como impunível o aborto provocado em gestação oriunda de estupro, quando o feto é plenamente viável. Senhor Presidente, mesmo à falta de previsão expressa no Código Penal de 1940, parece-me lógico que o feto sem potencialidade de vida não pode ser tutelado pelo tipo penal que protege a vida. No ponto, são extremamente pertinentes as palavras de Padre Antônio Vieira com as quais iniciei este voto. O tempo e as coisas não param. Os avanços alcançados pela sociedade são progressivos. Inconcebível, no campo do pensar, é a estagnação. Inconcebível é o misoneísmo, ou seja, a aversão, sem justificativa, ao que é novo. Aliás, no julgamento da referida e paradigmática Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510/DF, acerca da pesquisa com células-tronco embrionárias, um dos temas espinhosos enfrentados pelo Plenário foi o do que pode vir a ser considerado vida e quando esta tem início. Ao pronunciar-me quanto à questão do princípio da vida, mencionei a possibilidade de adotar diversos enfoques, entre os quais: o da concepção, o da ligação do feto à parede do útero (nidação), o da formação das características individuais do feto, o da percepção pela mãe dos primeiros movimentos, o da viabilidade em termos de persistência da gravidez e o do nascimento. Aludi ainda ao fato de, sob o ângulo biológico, o início da vida pressupor não só a fecundação do óvulo pelo espermatozoide como também a viabilidade, elemento inexistente quando se trata de feto anencéfalo, considerado pela medicina como natimorto cerebral, consoante opinião majoritária.”
Ao término do julgamento, o Supremo, na dicção do Ministro Ayres Britto, proclamou acertadamente:
“O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estágio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria "natalista", em contraposição às teorias "concepcionista" ou da "personalidade condicional"). E quando se reporta a "direitos da pessoa humana" e até dos "direitos e garantias individuais" como cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais "à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade", entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar). Mutismo constitucional hermeneuticamente significante de transpasse de poder normativo para a legislação ordinária. A potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana. (...). O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a Constituição.
Sob o aspecto psíquico, parece incontroverso – impor a continuidade da gravidez de feto anencéfalo pode conduzir a quadro devastador, como o experimentado por Gabriela Oliveira Cordeiro, que figurou como paciente no emblemático Habeas Corpus nº 84.025/RJ, da relatoria do Ministro Joaquim Barbosa. A narrativa dela é reveladora:
“(...) Um dia eu não aguentei. Eu chorava muito, não conseguia parar de chorar. O meu marido me pedia para parar, mas eu não conseguia. Eu saí na rua correndo, chorando, e ele atrás de mim. Estava chovendo, era meia-noite. Eu estava pensando no bebê. Foi na semana anterior ao parto. Eu comecei a sonhar. O meu marido também. Eu sonhava com ela [referindo-se à filha que gerava] no caixão. Eu acordava gritando, soluçando. O meu marido tinha outro sonho. Ele sonhava que o bebê ia nascer com cabeça de monstro. Ele havia lido sobre anencefalia na internet. Se você vai buscar informações é aterrorizante. Ele sonhava que ela [novamente, referindo-se à filha] tinha cabeça de dinossauro. Quando chegou perto do nascimento, os sonhos pioraram. Eu queria ter tirado uma foto dela [da filha] ao nascer, mas os médicos não deixaram. Eu não quis velório. Deixei o bebê na funerária a noite inteira e no outro dia enterramos. Como não fizeram o teste do pezinho na maternidade, foi difícil conseguir o atestado de óbito para enterrar”.
“Relatos como esse evidenciam que a manutenção compulsória da gravidez de feto anencéfalo importa em graves danos à saúde psíquica da família toda e, sobretudo, da mulher. Enquanto, numa gestação normal, são nove meses de acompanhamento, minuto a minuto, de avanços, com a predominância do amor, em que a alteração estética é suplantada pela alegre expectativa do nascimento da criança; na gestação do feto anencéfalo, no mais das vezes, reinam sentimentos mórbidos de dor, de angústia, de impotência, de tristeza, de luto, de desespero dada a certeza do óbito. Impedida de dar fim a tal sofrimento, a mulher pode desenvolver, nas palavras do Dr. Talvane Marins de Moraes, representante da Associação Brasileira de Psiquiatria, “um quadro psiquiátrico grave de depressão, de transtorno, de estresse pós-traumático e até mesmo um quadro grave de tentativa de suicídio, já que não lhe permitem uma decisão, ela pode chegar à conclusão, na depressão, de autoextermínio”
Vale referir, neste ponto, o preciso magistério de DANIEL SARMENTO (“Legalização do Aborto e Constituição”, “in” “Nos Limites da Vida: Aborto, Clonagem Humana e Eutanásia sob a Perspectiva dos Direitos Humanos”, p. 03/51, 26-27, 2007, Lumen Juris):
“A Constituição de 88 não se limitou a proclamar, como direito fundamental, a liberdade de religião (art. 5º, inciso VI)”. Ela foi além, consagrando, no seu art. 19, inciso I, o princípio da laicidade do Estado, que impõe aos poderes públicos uma posição de absoluta neutralidade em relação às diversas concepções religiosas. (...). A laicidade do Estado, levada a sério, não se esgota na vedação de adoção explícita pelo governo de determinada religião, nem tampouco na proibição de apoio ou privilégio público a qualquer confissão. Ela vai além, e envolve a pretensão republicana de delimitar espaços próprios e inconfundíveis para o poder político e para a fé. No Estado laico, a fé é questão privada. Já o poder político, exercido pelo Estado na esfera pública, deve basear-se em razões igualmente públicas - ou seja, em razões cuja possibilidade de aceitação pelo público em geral independa de convicções religiosas ou metafísicas particulares. A laicidade do Estado não se compadece com o exercício da autoridade pública com fundamento em dogmas de fé - ainda que professados pela religião majoritária -, pois ela impõe aos poderes estatais uma postura de imparcialidade e equidistância em relação às diferentes crenças religiosas, cosmo visões e concepções morais que lhes são subjacentes. Com efeito, uma das características essenciais das sociedades contemporâneas é o pluralismo. Dentro de um mesmo Estado, existem pessoas que abraçam religiões diferentes - ou que não adotam nenhuma -; que professam ideologias distintas; que têm concepções morais filosóficas díspares ou até antagônicas. E, hoje, entende-se que o Estado deve respeitar estas escolhas e orientações de vida, não lhe sendo permitido usar do seu aparato repressivo, nem mesmo do seu poder simbólico, para coagir o cidadão a adequar sua conduta às concepções hegemônicas na sociedade, nem tampouco para estigmatizar os ‘outsiders’. Como expressou a Corte Constitucional alemã, na decisão em que considerou inconstitucional a colocação de crucifixos em salas de aula de escolas públicas, ‘um Estado no qual membro de várias ou até conflituosas convicções religiosas ou ideológicas devam viver juntos só pode garantir a coexistência pacífica se mantiver neutro em matéria de crença religiosa (...). A força numérica ou importância social da comunidade religiosa não tem qualquer relevância. ’. (...) O princípio majoritário (...) não é outra coisa senão a transplantação para o cenário político- -institucional da ideia de intrínseca igualdade entre os indivíduos. Mas as pessoas só são tratadas como iguais quando o Estado demonstra por elas o mesmo respeito e consideração. E não há respeito e consideração quando se busca impingir determinado comportamento ao cidadão não por razões públicas, que ele possa aceitar através de um juízo racional, mas por motivações ligadas a alguma doutrina religiosa ou filosófica com a qual ele não comungue nem tenha de comungar.”
Após extenso debate, houve a decisão quanto à questão levantada. Abaixo segue o que ali ficou decidido:

EXTRATO DE ATA
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54
PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
REQTE.(S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA SAÚDE - CNTS
ADV.(A/S) : LUÍS ROBERTO BARROSO INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
Decisão: Após o voto do Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator), que julgava procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal, no que foi acompanhado pelos Senhores Ministros Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Cármen Lúcia, e o voto do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, que julgava improcedente o pedido, o julgamento foi suspenso. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Falaram, pela requerente, o Dr. Luís Roberto Barroso e, pelo Ministério Público Federal, o Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos. Plenário, 11.04.2012.
Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal, contra os votos dos Senhores Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello que, julgando-a procedente, acrescentavam condições de diagnóstico de anencefalia especificadas pelo Ministro Celso de Mello; e contra os votos dos Senhores Ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso (Presidente), que a julgavam improcedente. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Dias Toffoli. Plenário, 12.04.2012.
Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Rosa Weber.
Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.
p/ Luiz Tomimatsu Secretário


  1. CONCLUSÃO.
Por mais complexo que se mostre o entendimento da matéria, há que se dizer que a decisão da mãe na continuidade da gestação é o ponto forte entre o sim e o não para a efetividade da vida extrauterina. A vida pós-parto do anencéfalo pode durar segundos, minutos e até dias conforme casos já relatados, e não há como negar que até o momento da sua morte houve sim uma interação de muito amor entre mãe e filho.
Com isso a decisão do Supremo Tribunal Federal em autorizar tal procedimento em casos previamente comprovados se mostra indispensável para a pessoa mais envolvida nessa relação, a mãe. Está sim, é afetada diretamente tanto física quanto psicologicamente em todo este processo e na maioria das vezes apresenta quadros depressivos e até suicida em decorrência do impacto desta decisão.

Sendo assim o processo que poderia levar até meses para a obtenção da permissão para a realização do aborto a partir de então pode ser obtido em questão de dias, evitando assim mais sofrimento para a mãe e os familiares.

Por:  Andre Filipe Faria de Oliveira
Ana Julia Tavares de Souza
Caroline Helena Perles de Souza
Maria Caroline da Cunha Thomé
Marina Tossini Regini


Referências Bibliográficas
Código Penal

http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 3673599. Acessado em 3/10/2015

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