- APRESENTAÇÃO.
Inevitavelmente o tema proposto para objeto
de estudo se mostra um tabu no cenário nacional quiçá mundial. Objeto de
discussão recorrente em entidades religiosas, defensores dos direitos humanos e
outras parcelas da sociedade os métodos abortivos em geral sempre causam grande
repercussão. A questão é: Até que ponto e em quais casos a interrupção da
gravidez se mostra valida mediante a não perspectiva de vida extrauterina?
Dessa forma, por repercutir de maneira geral
na sociedade em meados de 2004 foi proposta uma ação pela Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Saúde, onde foi solicitada permissão para, em casos de
anencefalia, a interrupção da gravidez. Antes, mulheres grávidas de fetos sem cérebro tinham de
pedir à Justiça autorização para interromper a gestação, algo que podia ou não
ser concedido pelo juiz. Fato é que após 8 anos da propositura da ação e
intensos debates relativo a matéria, o julgado ocorrido no ano de 2012 pelo STF
trouxe a tona o entendimento pacifico relativo a matéria, em que por 8 votos a
favor e 2 contra, foi considerado pelo egrégio Tribunal que obrigar a mãe a
manter a gravidez nesses casos especificos, apresenta riscos a sua saude fisica
e psicológica. Para o relator do processo ministro Marco aurélio, “anencefalia
e vida são termos antitéticos” , mas mesmo assim o tema está longe de
consensos.
Dito e
relatado os principais acontecimentos pertinentes ao tema – Aborto de
anencéfalos – de maneira sumária apresentaremos as questões que são mais
importantes para entendimento da matéria.
- O ABORTO NA LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA.
Quando se fala em aborto no Brasil, a polêmica está garantida.
Independente do caso que se analisa, há um alvoroço nos diversos setores da
sociedade na busca por respostas. A questão jurídica talvez seja o último
ponto, quando se tem como referência, questões morais, éticas, sociológicas,
religiosas, dentre várias outras. Se no ordenamento jurídico brasileiro
constasse a previsão legal de excludente de antijuridicidade nos casos de
aborto de anencéfalos, o problema já teria resolvido.
É certo que o Código Penal Brasileiro, datado da década de 40, não
comportava as aspirações que a sociedade brasileira hoje possui e nem o avanço
científico que a modernidade proporcionou. Também é certo, que avanços
tecnológicos que identifiquem através de diagnósticos precisos, problemas de
saúde graves e irreversíveis no nascituro são possíveis somente à sociedade
hodierna. De 1940 até os dias atuais, já se passaram 72 anos, desse lapso
temporal, houve mudanças significativas, tanto de valores sociais, como de
avanços científicos nas diversas áreas das ciências, inclusive a médica, que
hoje consegue com precisão e certeza, diagnosticar qualquer anomalia do feto e
se é viável ou não, sua vida extrauterina.
No Código Penal Brasileiro de 1940, tem-se a previsão de
excludente de ilicitude relacionado à interrupção da gravidez somente em duas
situações: nos casos resultantes de estupro e nos casos terapêuticos. Nas duas
situações a preocupação primordial é com a gestante, tanto no
quesito psicológico quanto no clínico. Não existindo, no entanto, previsão para
outros tipos de aborto.
O aborto é considerado crime no Brasil, salvo nos casos em que
haja risco de vida para a gestante ou quando feto foi gerado em decorrência de
um estupro. O Código Penal prevê pena de 1 a 3 anos de prisão para a gestante,
e de 1 a 4 anos para o médico ou qualquer outra pessoa que realize nela o
procedimento de retirada do feto.
- O QUE VEM A SER
ANENCEFÁLIA.
A anencefalia é
uma má formação rara do tubo neural, caracterizada pela ausência parcial
do encéfalo e
da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural nas
primeiras semanas da formação embrionária.
Ao contrário do que o termo possa sugerir a anencefalia
não caracteriza casos de ausência total do encéfalo, mas situações em que se
observam graus variados de danos encefálicos. A dificuldade de uma definição
exata do termo baseia-se sobre o fato de que a anencefalia não é uma má-formação
do tipo 'tudo ou nada', ou seja, não está ausente ou presente, mas trata-se de
uma má-formação que passa, sem solução de continuidade, de quadros menos graves
a quadros de indubitável anencefalia. Uma classificação rigorosa é, portanto
quase que impossível.
Na prática, a palavra "anencefalia" geralmente
é utilizada para caracterizar uma má-formação fetal do cérebro.
Nestes casos, o bebê pode apresentar algumas partes do tronco
cerebral funcionando, garantindo algumas funções vitais do organismo.
Trata-se de patologia letal. Bebês com anencefalia
possuem expectativa de vida muito curta, embora não se possa estabelecer com
precisão o tempo de vida que terão fora do útero. A anomalia pode ser
diagnosticada, com certa precisão, a partir da décima segunda semana de
gestação, através de um exame de ultrassonografia,
quando já é possível a visualização do segmento cefálico fetal.
O risco de incidência aumenta 5% a cada gravidez
subsequente. Inclusive, mães diabéticas têm seis vezes mais probabilidade de
gerar filhos com este problema. Há, também, maior incidência de casos de
anencefalia em filhos de mães muito jovens ou nas de idade avançada. Uma das
formas de prevenção mais indicadas é a ingestão de ácido
fólico antes e durante a gestação.
- ABORTO DE ANENCEFÁLOS.
Os relatos de quem viveu na prática a experiência de um aborto legal são
a prova de que é preciso avançar. Quando conseguiu a autorização judicial,
Cátia imaginava que era só ir até um hospital e dar fim ao martírio, mas não
foi o que aconteceu. A enfermeira se recusou a introduzir em seu útero o
medicamento necessário para a interrupção da gravidez. “Ela queria que eu, com
aquela barriga enorme, colocasse o remédio”, conta. Histórias semelhantes são
contadas por mulheres que interrompem gestações que traziam risco à sua saúde
ou foram originadas por violência sexual. Nesses casos, o aborto é permitido
desde o Código Penal de 1940 sem necessidade de qualquer tipo de autorização
judicial. Mas só 50 anos depois, em 1990, surgiu o primeiro hospital do País
qualificado para o serviço pelo Ministério da Saúde, o Hospital Jabaquara, em
São Paulo, que hoje compõe uma rede com outras 63 unidades de saúde em todo o
País. “Não há impedimento para que outros hospitais realizem o aborto nos casos
previstos em lei, mas oferecemos treinamento específico para algumas unidades”,
explica Helvécio Magalhães, secretário de Atenção à Saúde do Ministério da
Saúde.
O governo federal faz sua parte, mas setores da sociedade às vezes tentam criar
empecilhos. É o caso da Câmara Municipal de Anápolis (GO), que aprovou em 22 de
fevereiro uma norma que proíbe os abortos legais nos hospitais municipais.
Mesmo nas unidades de saúde há problemas. “Em geral, nem todos os profissionais
do hospital apoiam o aborto e o bom atendimento vai depender de quem estiver na
unidade”, diz Rosângela Talib, uma das coordenadoras do grupo Católicas pelo
Direito de Decidir. É esse tipo de mentalidade que a decisão do STF pode ajudar
a mudar.
C., 27 anos, é testemunha dessa dificuldade. Sua filha de 12 anos foi
violentada durante seis meses e a mãe só descobriu quando a gravidez veio à
tona. No Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), um dos hospitais
qualificados pelo Ministério da Saúde em Pernambuco, a menina recebeu, às 13
horas da terça-feira 10, a medicação para dilatação do útero horas antes da
cirurgia, marcada para 20 horas. Ela deveria permanecer em jejum e receberia
anestesias para evitar as dores causadas pelos remédios. Mas o anestesista se
recusou a participar do procedimento. Veio o próximo turno e outra recusa.
Enquanto isso, a menina permanecia sem comida e com dores lancinantes. Só no
terceiro turno, às 9 horas da manhã seguinte, o procedimento foi realizado.
Cátia Corrêa enfrentou preconceito ao abortar um
bebê anencéfalo
Para não participar, os anestesistas alegaram “impedimento de
consciência”. A justificativa está de acordo com o Código de Ética Médica, que,
em seu artigo 7º, diz que os profissionais não são obrigados a prestar um
serviço que não desejam, mas coloca duas ressalvas: ausência de outro médico ou
risco de danos irreversíveis ao paciente. “A alegação de impedimento de
consciência é muito comum e ultrapassa os limites do razoável”, diz o ginecologista
Olímpio Moraes Filho, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e
Obstetrícia (Febrasgo).
O desconhecimento é outra face do problema. Por isso, a visibilidade do
julgamento do STF também é importante. Pesquisa realizada pelo Ibope em 2007
sob encomenda do grupo Católicas pelo Direito de Decidir revelou que 48% dos
brasileiros ignoram as situações em que o aborto pode ser feito legalmente. “O
desconhecimento pode levar mulheres a buscarem métodos clandestinos e inseguros
para o aborto, afinal é uma ilusão pensar que a proibição diminui o número de
abortamentos”, diz o médico Thomaz Gollop. A trajetória de P., 24 anos, ilustra
bem isso. A estudante foi violentada quando saía da faculdade em setembro do
ano passado. Por medo e vergonha, não contou a história a ninguém que pudesse
orientá-la sobre as precauções necessárias depois de um ataque desse tipo.
Acabou, assim, engravidando.
Sem saber que, nesse caso, tinha o direito de fazer o aborto na rede pública de
saúde, tomou chás e remédios abortivos. Nada adiantou. “Não queria dentro de
mim algo que me lembrasse o que eu tentava desesperadamente esquecer”, diz,
chorando. Começou a procurar clínicas clandestinas e só parou quando a palidez
e a excessiva perda de peso fizeram o ex-namorado pressioná-la para que
contasse o que havia acontecido. Ele a levou à delegacia e, de lá, ela foi
encaminhada ao hospital Pérola Byington, uma das referências nacionais nesse
serviço. “Quem chega ao hospital deve ser tratada e não julgada. Cada um tem
sua fé e seus direitos individuais, que precisam ser garantidos pelos agentes
do Estado”, resume Clair Castilhos, secretária executiva da Rede Feminista de
Saúde. É essa consciência que deve prevalecer.
- JURISPRUDÊNCIA RELATIVA
À MATERIA.
Qualquer
assunto relacionado ao Direito Penal, Direito Civil e demais áreas do Direito,
insta destacar a parte jurisprudencial do conteúdo em que se apresenta até
mesmo para uma confirmação daquilo que se está expressando ou comprovar aquilo
que está sendo apresentado.
No
assunto em questão (aborto de anencéfalos), segue abaixo o julgado que
apresenta maior expressão para concluir o que foi proposto, devido à sua
extensão, destacamos suas partes mais importantes:
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL 54 DISTRITO FEDERAL.
RELATOR:
MIN. MARCO AURÉLIO
ADV.(A/S): LUÍS ROBERTO BARROSO
NTDO. (A/S): PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma
república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões.
Considerações. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE
SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS
FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação
de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos
artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.
A C Ó R D Ã O
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal em julgar procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da
interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é
conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal,
nos termos do voto do relator e por maioria, em sessão presidida pelo Ministro
Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas
taquigráficas. Brasília, 12 de abril de 2012. MINISTRO MARCO AURÉLIO – RELATOR
Abaixo, em destaque, alguns
trechos importantes:
“Não
está em jogo a vida de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir
normalmente vida própria, de modo que as consequências dos atos praticados se
resolvem unicamente contra a mulher. O feto expulso (para que se caracterize o
aborto) deve ser um produto fisiológico e não patológico. Se a gravidez se
apresenta como um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir
sequer uma intervenção cirúrgica que pudesse salvar a vida do feto, não há
falar-se em aborto, para cuja existência é necessária a presumida possibilidade
de continuação da vida do feto.”
HABEAS CORPUS. PENAL. PEDIDO DE
AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE ABORTO. NASCITURO ACOMETIDO DE ANENCEFALIA.
INDEFERIMENTO. APELAÇÃO. DECISÃO LIMINAR DA RELATORA RATIFICADA PELO COLEGIADO
DEFERINDO O PEDIDO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRITPARA A
DEFESA DO NASCITURO.
“1. A eventual ocorrência de”
abortamento fora das hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação
de pena corpórea máxima, irreparável, razão pela qual não há se falar em
impropriedade da via eleita, já que, como é cediço, o writ se presta justamente
a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à
preservação da vida do nascituro.
2.
Mesmo tendo a instância de origem se manifestado, formalmente, apenas acerca da
decisão liminar, na realidade, tendo em conta o caráter inteiramente
satisfativo da decisão, sem qualquer possibilidade de retrocessão de seus
efeitos, o que se tem é um exaurimento definitivo do mérito. Afinal, a sentença
de morte ao nascituro, caso fosse levada a cabo, não deixaria nada mais a ser
analisado por aquele ou este Tribunal.
3. A
legislação penal e a própria Constituição Federal, como é sabido e consabido,
tutelam a vida como bem maior a ser preservado. As hipóteses em que se admite
atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, inadmitindo-se
interpretação extensiva, tampouco analogias “in malam partem”. Há de
prevalecer, nesses casos, o princípio da reserva legal.
4. O
Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses autorizativas do aborto,
previstas no art. 128 do Código Penal, o caso descrito nos presentes autos. O
máximo que podem fazer os defensores da conduta proposta é lamentar a omissão,
mas nunca exigir do Magistrado, intérprete da Lei, que se lhe acrescente mais
uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo Legislador.
5.
Ordem concedida para reformar a decisão proferida pelo Tribunal a quo,
desautorizando o aborto; outrossim, pelas peculiaridades do caso, para
considerar prejudicada a apelação interposta, porquanto houve, efetivamente,
manifestação exaustiva e definitiva da Corte Estadual acerca do mérito por
ocasião do julgamento do agravo regimental. Daí o habeas impetrado no Supremo
Tribunal Federal. Entretanto, na assentada de julgamento, em 4 de março último,
confirmou-se a notícia do parto e, mais do que isso, que a sobrevivência não
ultrapassara o período de sete minutos.”
AUDIÊNCIA PÚBLICA –
INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – ANENCEFALIA.
“1. Em 17 de junho do
corrente ano, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS
formalizou argüição de descumprimento de preceito fundamental, indicando como
vulnerados os artigos 1º, inciso IV (dignidade da pessoa humana), 5º, inciso II
(princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade), 6º, cabeça, e 196
(direito à saúde), todos da Constituição Federal, e, como a causar lesão a
esses princípios, o conjunto normativo representado pelos artigos 124, 126 e
128, incisos I e II, do Código Penal – Decreto-Lei nº 2.848/40”.
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO
DE PRECEITO FUNDAMENTAL
“V O
T O”
O SENHOR MINISTRO MARCO
AURÉLIO (RELATOR) –
Padre Antônio Vieira disse-nos: “E como o tempo não tem, nem pode ter
consistência alguma, e todas as coisas desde o seu princípio nasceram juntas
com o tempo, por isso nem ele, nem elas podem parar um momento, mas com
perpétuo moto, e resolução insuperável passar, e ir passando sempre” – Sermão
da Primeira Dominga do Advento.
“A
questão posta nesta ação de descumprimento de preceito fundamental revela-se
uma das mais importantes analisadas pelo Tribunal”. É inevitável que o debate
suscite elevada intensidade argumentativa das partes abrangidas, do Poder
Judiciário e da sociedade. Com o intuito de corroborar a relevância do tema,
faço menção a dois dados substanciais. Primeiro, até o ano de 2005, os juízes e
tribunais de justiça formalizaram cerca de três mil autorizações para a
interrupção gestacional em razão da incompatibilidade do feto com a vida
extrauterina, o que demonstra a necessidade de pronunciamento por parte deste
Tribunal. Segundo, o Brasil é o quarto país no mundo em casos de fetos
anencéfalos. Fica atrás do Chile, México e Paraguai. A incidência é de
aproximadamente um a cada mil nascimentos, segundo dados da Organização Mundial
de Saúde, confirmados na audiência pública. Chega-se a falar que, a cada três
horas, realiza-se o parto de um feto portador de anencefalia. Esses dados foram
os obtidos e datam do período de 1993 a 1998, não existindo notícia de
realização de nova sondagem. Para não haver dúvida, faz-se imprescindível que
se delimite o objeto sob exame. Na inicial, pede-se a declaração de
inconstitucionalidade, com eficácia para todos e efeito vinculante, da
interpretação dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal. Documento
assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a
Infraestrutura de Chaves Pública Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser
acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob
o número 3673599.
“Elza
Galdino relembra que o Decreto nº 001144, de 11 de setembro de 1861, indicava a
natureza tolerante do Império brasileiro”. Transcrevo:
Faz
extensivos os efeitos civis dos nascimentos, celebrados na forma das leis do
Império, aos das pessoas que professarem religião diferente da do Estado, e
determina que sejam regulados o registro e provas destes casamentos e dos
nascimentos e óbitos das ditas pessoas bem como as condições necessárias para
que os pastores de religiões toleradas possam praticar atos que produzam
efeitos civis.
Antes
de ser aclamado, cabia ao Imperador realizar o juramento de manter a religião
católica como oficial e nacional, devidamente protegida, nos seguintes termos:
“Juro
manter a religião católica apostólica romana, a integridade, a indivisibilidade
do Império, observar e fazer observar a Constituição Política da nação
brasileira e mais leis do Império e prover ao bem geral do Brasil, quanto em
mim couber (artigo 103 do Texto Maior de 1824)”.
Sábias palavras de Nelson Hungria, a
repercutirem neste julgamento, verificado cerca de sessenta anos após:
“É
de conhecimento corrente que, nas décadas de 30 e 40, a medicina não possuía os
recursos técnicos necessários para identificar previamente a anomalia fetal
incompatível com a vida extrauterina. A literalidade do Código Penal de 1940
certamente está em harmonia com o nível de diagnósticos médicos existentes à
época, o que explica a ausência de dispositivo que preveja expressamente a
atipicidade da interrupção da gravidez de feto anencefálico. Não nos custa
lembrar: estamos a tratar do mesmíssimo legislador que, para proteger a honra e
a saúde mental ou psíquica da mulher – da mulher, repito, não obstante a visão
machista então reinante –, estabeleceu como impunível o aborto provocado em
gestação oriunda de estupro, quando o feto é plenamente viável. Senhor
Presidente, mesmo à falta de previsão expressa no Código Penal de 1940,
parece-me lógico que o feto sem potencialidade de vida não pode ser tutelado
pelo tipo penal que protege a vida. No ponto, são extremamente pertinentes as
palavras de Padre Antônio Vieira com as quais iniciei este voto. O tempo e as
coisas não param. Os avanços alcançados pela sociedade são progressivos.
Inconcebível, no campo do pensar, é a estagnação. Inconcebível é o misoneísmo,
ou seja, a aversão, sem justificativa, ao que é novo. Aliás, no julgamento da
referida e paradigmática Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510/DF,
acerca da pesquisa com células-tronco embrionárias, um dos temas espinhosos enfrentados
pelo Plenário foi o do que pode vir a ser considerado vida e quando esta tem
início. Ao pronunciar-me quanto à questão do princípio da vida, mencionei a
possibilidade de adotar diversos enfoques, entre os quais: o da concepção, o da
ligação do feto à parede do útero (nidação), o da formação das características
individuais do feto, o da percepção pela mãe dos primeiros movimentos, o da
viabilidade em termos de persistência da gravidez e o do nascimento. Aludi
ainda ao fato de, sob o ângulo biológico, o início da vida pressupor não só a
fecundação do óvulo pelo espermatozoide como também a viabilidade, elemento
inexistente quando se trata de feto anencéfalo, considerado pela medicina como
natimorto cerebral, consoante opinião majoritária.”
Ao término do julgamento, o Supremo, na
dicção do Ministro Ayres Britto, proclamou acertadamente:
“O
Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso
instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estágio da vida humana
um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta
pessoa, porque nativiva (teoria "natalista", em contraposição às
teorias "concepcionista" ou da "personalidade condicional").
E quando se reporta a "direitos da pessoa humana" e até dos
"direitos e garantias individuais" como cláusula pétrea está falando
de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos
direitos fundamentais "à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade", entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos
com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento
familiar). Mutismo constitucional hermeneuticamente significante de transpasse
de poder normativo para a legislação ordinária. A potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o
bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas
ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três
realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa
humana é a pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas
embrião de pessoa humana. (...). O Direito infraconstitucional protege por modo
variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da
vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito
comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa
no sentido biográfico a que se refere a Constituição.
Sob o aspecto psíquico, parece
incontroverso – impor a continuidade da gravidez de feto anencéfalo pode
conduzir a quadro devastador, como o experimentado por Gabriela Oliveira
Cordeiro, que figurou como paciente no emblemático Habeas Corpus nº 84.025/RJ,
da relatoria do Ministro Joaquim Barbosa. A narrativa dela é reveladora:
“(...)
Um dia eu não aguentei. Eu chorava muito, não conseguia parar de chorar. O meu
marido me pedia para parar, mas eu não conseguia. Eu saí na rua correndo,
chorando, e ele atrás de mim. Estava chovendo, era meia-noite. Eu estava
pensando no bebê. Foi na semana anterior ao parto. Eu comecei a sonhar. O meu
marido também. Eu sonhava com ela [referindo-se à filha que gerava] no caixão.
Eu acordava gritando, soluçando. O meu marido tinha outro sonho. Ele sonhava
que o bebê ia nascer com cabeça de monstro. Ele havia lido sobre anencefalia na
internet. Se você vai buscar informações é aterrorizante. Ele sonhava que ela
[novamente, referindo-se à filha] tinha cabeça de dinossauro. Quando chegou
perto do nascimento, os sonhos pioraram. Eu queria ter tirado uma foto dela [da
filha] ao nascer, mas os médicos não deixaram. Eu não quis velório. Deixei o
bebê na funerária a noite inteira e no outro dia enterramos. Como não fizeram o
teste do pezinho na maternidade, foi difícil conseguir o atestado de óbito para
enterrar”.
“Relatos
como esse evidenciam que a manutenção compulsória da gravidez de feto
anencéfalo importa em graves danos à saúde psíquica da família toda e,
sobretudo, da mulher. Enquanto, numa gestação normal, são nove meses de
acompanhamento, minuto a minuto, de avanços, com a predominância do amor, em
que a alteração estética é suplantada pela alegre expectativa do nascimento da
criança; na gestação do feto anencéfalo, no mais das vezes, reinam sentimentos mórbidos
de dor, de angústia, de impotência, de tristeza, de luto, de desespero dada a
certeza do óbito. Impedida de dar fim a tal sofrimento, a mulher pode
desenvolver, nas palavras do Dr. Talvane Marins de Moraes, representante da
Associação Brasileira de Psiquiatria, “um quadro psiquiátrico grave de
depressão, de transtorno, de estresse pós-traumático e até mesmo um quadro
grave de tentativa de suicídio, já que não lhe permitem uma decisão, ela pode
chegar à conclusão, na depressão, de autoextermínio”
Vale
referir, neste ponto, o preciso magistério de DANIEL SARMENTO (“Legalização do
Aborto e Constituição”, “in” “Nos Limites da Vida: Aborto, Clonagem Humana e
Eutanásia sob a Perspectiva dos Direitos Humanos”, p. 03/51, 26-27, 2007, Lumen
Juris):
“A
Constituição de 88 não se limitou a proclamar, como direito fundamental, a
liberdade de religião (art. 5º, inciso VI)”. Ela foi além, consagrando, no seu
art. 19, inciso I, o princípio da laicidade do Estado, que impõe aos poderes
públicos uma posição de absoluta neutralidade em relação às diversas concepções
religiosas. (...). A laicidade do Estado, levada a sério, não se esgota na
vedação de adoção explícita pelo governo de determinada religião, nem tampouco
na proibição de apoio ou privilégio público a qualquer confissão. Ela vai além,
e envolve a pretensão republicana de delimitar espaços próprios e
inconfundíveis para o poder político e para a fé. No Estado laico, a fé é
questão privada. Já o poder político, exercido pelo Estado na esfera pública,
deve basear-se em razões igualmente públicas - ou seja, em razões cuja
possibilidade de aceitação pelo público em geral independa de convicções
religiosas ou metafísicas particulares. A laicidade do Estado não se compadece
com o exercício da autoridade pública com fundamento em dogmas de fé - ainda que
professados pela religião majoritária -, pois ela impõe aos poderes estatais
uma postura de imparcialidade e equidistância em relação às diferentes crenças
religiosas, cosmo visões e concepções morais que lhes são subjacentes. Com
efeito, uma das características essenciais das sociedades contemporâneas é o
pluralismo. Dentro de um mesmo Estado, existem pessoas que abraçam religiões
diferentes - ou que não adotam nenhuma -; que professam ideologias distintas;
que têm concepções morais filosóficas díspares ou até antagônicas. E, hoje,
entende-se que o Estado deve respeitar estas escolhas e orientações de vida,
não lhe sendo permitido usar do seu aparato repressivo, nem mesmo do seu poder
simbólico, para coagir o cidadão a adequar sua conduta às concepções hegemônicas
na sociedade, nem tampouco para estigmatizar os ‘outsiders’. Como expressou a
Corte Constitucional alemã, na decisão em que considerou inconstitucional a
colocação de crucifixos em salas de aula de escolas públicas, ‘um Estado no qual
membro de várias ou até conflituosas convicções religiosas ou ideológicas devam
viver juntos só pode garantir a coexistência pacífica se mantiver neutro em
matéria de crença religiosa (...). A força numérica ou importância social da
comunidade religiosa não tem qualquer relevância. ’. (...) O princípio
majoritário (...) não é outra coisa senão a transplantação para o cenário
político- -institucional da ideia de intrínseca igualdade entre os indivíduos.
Mas as pessoas só são tratadas como iguais quando o Estado demonstra por elas o
mesmo respeito e consideração. E não há respeito e consideração quando se busca
impingir determinado comportamento ao cidadão não por razões públicas, que ele
possa aceitar através de um juízo racional, mas por motivações ligadas a alguma
doutrina religiosa ou filosófica com a qual ele não comungue nem tenha de
comungar.”
Após
extenso debate, houve a decisão quanto à questão levantada. Abaixo segue o que
ali ficou decidido:
EXTRATO
DE ATA
ARGÜIÇÃO
DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54
PROCED.
: DISTRITO FEDERAL
RELATOR
: MIN. MARCO AURÉLIO
REQTE.(S)
: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA SAÚDE - CNTS
ADV.(A/S)
: LUÍS ROBERTO BARROSO INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADV.(A/S) :
ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
Decisão:
Após o voto do Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator), que julgava procedente
o pedido para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual
a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos
124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal, no que foi acompanhado
pelos Senhores Ministros Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Cármen Lúcia,
e o voto do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, que julgava improcedente o
pedido, o julgamento foi suspenso. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli.
Falaram, pela requerente, o Dr. Luís Roberto Barroso e, pelo Ministério Público
Federal, o Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Plenário, 11.04.2012.
Decisão:
O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a
ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a
interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos
124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal, contra os votos dos
Senhores Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello que, julgando-a procedente,
acrescentavam condições de diagnóstico de anencefalia especificadas pelo
Ministro Celso de Mello; e contra os votos dos Senhores Ministros Ricardo
Lewandowski e Cezar Peluso (Presidente), que a julgavam improcedente. Ausentes,
justificadamente, os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Dias Toffoli.
Plenário, 12.04.2012.
Presidência
do Senhor Ministro Cezar Peluso. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso
de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski,
Cármen Lúcia, Luiz Fux e Rosa Weber.
Procurador-Geral
da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.
p/
Luiz Tomimatsu Secretário
- CONCLUSÃO.
Por mais complexo que se mostre o
entendimento da matéria, há que se dizer que a decisão da mãe na continuidade
da gestação é o ponto forte entre o sim e o não para a efetividade da vida
extrauterina. A vida pós-parto do anencéfalo pode durar segundos, minutos e até
dias conforme casos já relatados, e não há como negar que até o momento da sua
morte houve sim uma interação de muito amor entre mãe e filho.
Com isso a decisão do Supremo Tribunal
Federal em autorizar tal procedimento em casos previamente comprovados se
mostra indispensável para a pessoa mais envolvida nessa relação, a mãe. Está
sim, é afetada diretamente tanto física quanto psicologicamente em todo este
processo e na maioria das vezes apresenta quadros depressivos e até suicida em
decorrência do impacto desta decisão.
Sendo assim o processo que poderia levar
até meses para a obtenção da permissão para a realização do aborto a partir de
então pode ser obtido em questão de dias, evitando assim mais sofrimento para a
mãe e os familiares.
Por: Andre Filipe Faria de Oliveira
Ana Julia Tavares de Souza
Caroline Helena Perles de Souza
Maria Caroline da Cunha Thomé
Marina Tossini Regini
Ana Julia Tavares de Souza
Caroline Helena Perles de Souza
Maria Caroline da Cunha Thomé
Marina Tossini Regini
Referências Bibliográficas
Código Penal
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/05/130522_anencefalia_abre_pai Acessado em 4/10/2015.
http://www.conjur.com.br/2013-mai-13/leia-acordao-stf-autoriza-interrupcao-gravidez-anencefalo
Acessado em 4/10/2015.
http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/04/supremo-decide-por-8-2-que-aborto-de-feto-sem-cerebro-nao-e-crime.html.
Acessado em 4/10/2015.
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número
3673599. Acessado em 3/10/2015
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