segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Meio Cruel

Art. 121 - Matar alguém
§ 2º - Se o homicídio é cometido:
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso (é o uso de uma armadilha ou de uma fraude para atingir a vítima sem que ela perceba que está ocorrendo um crime, como, por exemplo, sabotagem de freio de veículo ou de motor de avião) ou cruel (outro meio cruel além da tortura - ex.: morte provocada por pisoteamento, espancamento, pauladas etc.), ou de que possa resultar perigo comum (ex.: provocar desabamento ou inundação);
Como mostra a Parte Especial do Código Penal meio cruel é aquele que aumenta inutilmente o sofrimento da vítima, ou revela uma brutalidade fora do comum ou em contraste com o mais elementar sentimento de piedade.
Sobre o conceito de meio cruel, preleciona NELSON HUNGRIA (cf. Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro, ed. Forense, vol. V, 6ª ed, 1981, p. 167):
  Meio cruel é todo aquele que produz um padecimento físico inútil ou mais grave do que o necessário e suficiente para consumação do homicídio. É o meio bárbaro, martirizante, denotando, da parte do agente, a ausência de elementar sentimento de piedade. ...”.

Abaixo veremos alguns casos considerados meio cruel:
A tortura é o meio cruel por excelência, revelando a culpabilidade extrema. Consiste na inflação de suplícios ou tormentos que obrigam a vítima a sofrer inutilmente antes da morte.
A asfixia também está prevista pela lei como meio de causar a morte. Em realidade, no entanto, a asfixia não é meio, mas sim forma cruel de provocar a morte.
Entre outros meios capazes de provocar perigo comum estão o fogo e o explosivo. Tais meios poderiam também caracterizar-se como cruéis.

Segue um exemplo de um homicídio qualificado com o emprego de meio cruel:
“RELATÓRIO
Dr. Reinaldo José Rammé – P. C. L. S., A. Z. B. e A. P. S. foram denunciados por homicídio triplamente qualificado (art. 121, § 2º, incs. I – torpe –, III – cruel – e IV – recurso que impossibilitou a defesa do ofendido –, todos do CP). A. P. S. foi denunciado, ainda, por porte ilegal de arma (art. 10 da Lei nº 9.437/97).
1. Denúncia. Isso porque, no dia 30-04-00, por volta das 05h10min, na Rua O. C., Bairro C., em Santo Ângelo, os denunciados P. C. L. S., A. Z. B. e A. P. S., em comunhão de esforços e unidade de desígnios entre si e com os adolescentes infratores D. M. F., L. F. O. M. e F. C. F., fazendo uso de pedaços de madeira, pedras e arma de fogo, mataram a vítima A. O., de 22 anos, desferindo-lhe várias pauladas, pedradas, socos e pontapés, causando-lhe as lesões corporais descritas no auto de necropsia da fl. 15 do inquérito policial, que refere "feridas cortocontusas nas regiões do mento (queixo), labial, fronto-orbitária direita (sobrancelha direita), médio frontal e orbitária esquerda, medindo a maior 8cm e a menor 2cm. Houve afundamento do osso frontal e mandíbula (arcada dentária inferior). O cérebro ficou exposto através do ferimento da região frontal", "área de equimose (por contusão) que se estende do ombro e região antero-lateral esquerda do terço inferior do pescoço até a região peitoral direita e ombro direito", e escoriação no flanco direito e joelho esquerdo, causando a morte da vítima por traumatismo cranioencefálico.
Na ocasião, os denunciados P. C. L. S. e A. Z. B. desferiram socos, pontapés e golpes com pedaços de madeira contra a vítima A. O., inclusive quando esta já se encontrava caída. O denunciado A. P. S. foi até sua residência e se armou com um revólver (apreendido à fl. 77), sendo que ficou vigiando e ostentando a arma no local dos fatos, enquanto a vítima A. era agredida violentamente pelos demais denunciados e pelos menores infratores. O denunciado A. chegou a desferir diversos disparos de arma de fogo no local, para afugentar uma pessoa que chegara no local e, assim, impedir que socorresse a vítima.
O crime é qualificado porque foi perpetrado mediante recurso que impossibilitou a defesa da vítima, uma vez que os denunciados e os menores infratores aguardaram o ofendido escondidos e armados com os pedaços de madeira na esquina da Rua O. C. com a Rua S. S., passando a desferir golpes de inopino assim que a vítima A. ali chegou, tendo os denunciados, junto com os menores acima nominados, a partir de então e sem solução de continuidade, passado a perseguir e golpear a vítima até a morte. Releva notar que a vítima foi agredida violentamente mesmo depois de estar caída.
O crime foi praticado por motivo torpe, consistente em vingança praticada pelos denunciados e seus comparsas, que mataram a vítima em razão de desentendimento ocorrido algum tempo antes, na saída da boate S. C. (conhecida como "I."), onde ocorreu enfrentamento entre a vítima e os amigos desta com o grupo de pessoas formado pelos denunciados e seus comparsas menores.
O crime foi cometido com emprego de meio cruel, pois os denunciados e os menores infratores desferiram diversos golpes não-letais na vítima, anteriormente à morte desta, para infligir--lhe sofrimento físico desnecessário e mais grave que o suficiente à consumação do delito.
Desde o mês de janeiro de 2000 até o dia 08-05-00, na cidade de Santo Ângelo, o denunciado A. P. S. possuía e guardava uma arma de fogo de uso permitido, um revólver calibre 32, marca Taurus, oxidado, cabo de acrílico de cor branca, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar para a posse e propriedade de arma.
Após ter usado a arma de fogo acima descrita no fato que vitimou A. O., o denunciado A. P. S. guardou esse revólver, municiado, embaixo da geladeira de sua residência, onde foi apreendido por policiais civis, consoante auto da fl. 77 do inquérito policial, sendo que a arma apreendida não se encontra registrada em nome do denunciado nem este possuía autorização para porte, conforme determina a Lei Federal nº 9.437/97 e o Decreto nº 2.222/97. Essa arma possuía origem ilícita, pois fora subtraída da residência do seu proprietário em 23-01-00, consoante Registro de Ocorrência nº 502/2000 da Delegacia de Polícia local.
2. Recebimento da denúncia, interrogatório e instrução criminal. Recebida a denúncia em 06-06-00 (fl. 236), os réus foram citados (fls. 257v./259v.) e interrogados (P. C. – fl. 260, A. – fl. 262 e A. – fl. 264), sendo que apresentaram defesas prévias (P. C. – fl. 281, A. – fl. 275 e A. – fl. 277), nas quais arrolaram testemunhas.
C. T. O., mãe da vítima, por meio do Dr. Gelso Orlando Galarça (fl. 284), habilitou-se como assistente à acusação (fl. 283).
Durante a instrução criminal, foram ouvidos os três menores infratores (D. – fl. 291, F. – fl. 300v. e L. F. – fl. 302), oito testemunhas da acusação (C. T. – fl. 293, C. – fl. 295, L. – fl. 294v., S. – fl. 295v., E. – fl. 296v., N. – fl. 298, O. – fl. 299v. e V. – fl. 303); uma da defesa de P. C. (D. – fl. 304); duas da defesa de A. (E. N. – fl. 304v. e M. – fl. 305); e três da defesa de A. (J. – fl. 301, M. I. – fl. 305v. e R. – fl. 306). Houve a desistência da testemunha R. (fl. 307), arrolada pela acusação.
3. Razões escritas (art. 406 do CPP). Encerrada a instrução (fl. 307), em alegações escritas, o Ministério Público propugnou pela pronúncia dos acusados, nos termos da inicial acusatória (fl. 350). A defesa de P. C. (fl. 386) postulou a impronúncia, enquanto que as defesas de A. (fl. 392) e A. (fl. 396) requereram a absolvição sumária.
4. Decisão. Pronúncia. Sentenciando (fl. 400), o magistrado pronunciou os réus nos termos da denúncia.
5. Cisão. Em razão de ter o réu A. recorrido em sentido estrito, o magistrado determinou a cisão do processo (fl. 441).
6. Libelo e contrariedade. Aos réus foram apresentados libelos-crimes acusatórios (fls. 442 e 444). A defesa de P. ofereceu contrariedade (fls. 461 e 482).
Em razão das recusas dos jurados, o magistrado determinou a cisão do processo (fl. 497).
7. Julgamento. Sentença. Submetido a julgamento, restou A. P. S. condenado pelo homicídio simples e porte de arma. Para aquele delito, fixou a pena em 06 anos de reclusão; para este, em 01 ano de detenção e 10 dias-multa. O regime estabelecido foi semi-aberto.
8. Apelação. Recorre o Ministério Público com base nas letras c e d do art. 593, inc. III (fl. 529). Em suas razões, insurge-se contra o não-reconhecimento das qualificadoras, postulando, por isso, novo julgamento tão-somente para análise das qualificadoras. Insurge-se, também, quanto à pena aplicada (fl. 531). Foram apresentadas contra-
-razões (fl. 545).
9. Parecer. Neste grau de jurisdição, opina o Ministério Público pelo provimento parcial do apelo ministerial, para que o réu seja submetido a novo julgamento, na sua integralidade (fl. 554). É o relatório.
Dr. Reinaldo José Rammé – Insurge-se o Ministério Público quanto ao não-reconhecimento das qualificadoras. Com razão o órgão ministerial.
1. Decisão manifestamente contra a prova dos autos. É sabido que aos jurados – que são os juízes naturais – é permitido acolherem a versão que mais lhes parece verídica, visto que julgam por íntima convicção, de "capa a capa", sendo-lhes permitido valorar a prova sem motivar a decisão.
Decisão manifestamente contra a prova dos autos é aquela que não encontra apoio em nenhum segmento probatório. É o caso dos autos. Os jurados, ao não acolherem as qualificadoras, decidiram contra a prova.
1.1. Recurso que dificultou a defesa do ofendido. O apelante armou-se com um revólver e ficou na posição de garante da ação desenvolvida pelos demais agressores, inclusive disparando--o quando o moto-taxista chegou ao local, pretendendo apartar a contenda. A versão de que o disparo teria sido para dispersar os agressores não prospera, tendo em vista o depoimento do adolescente L. F., participante dos fatos, o qual afirmou que "não sabe por que A. atirou, mas acredita que fez o disparo para assustar o moto-taxista (...) O moto-taxista chegou a descer da moto. Os disparos foram depois que o moto-taxista desceu da moto". Grifei. No mesmo sentido, D. (fl. 291v.). Se o apelante quisesse apartar a briga, teria desferido os tiros antes, e não depois dele chegar.
A vítima estava embriagada e foi agredida por diversas pessoas, o que a impossibilitou qualquer defesa. E. M. C. (fl. 297v.) afirmou que "a vítima já estava caída no chão e uns quatro caras batiam nela", e a testemunha S. L. S. (fl. 296v.) disse ter visto uma briga onde "quatro ou cinco agrediam um" e que mesmo depois de ter caído, a vítima continuou a ser agredida.
A qualificadora referente ao recurso que dificultou a defesa da vítima está evidente, levando-se em conta o número de agressores, bem como o fato de o apelante estar empunhando arma de fogo, garantindo o êxito da conduta dos agressores.
1.2. Meio cruel. O auto de necropsia (fl. 84), ao atestar o elevado número de lesões sofridas pela vítima, demonstra a ocorrência da qualificadora do meio cruel, pois mostra ter havido sofrimento desnecessário infligido a A. antes da morte.
O meio cruel transparece da violência empregada no cometimento do crime, pois os réus, de forma desumana, desferiram golpes na vítima com tamanha violência a ponto de causar sua morte por traumatismo crânio encefálico. Lê-se, no exame pericial: "Houve afundamento do osso frontal e mandíbula (arcada dentária inferior). O cérebro ficou exposto através do ferimento da região frontal". Aliás, basta verificar-se a foto do rosto desfigurado da vítima (fl. 87), com o cérebro exposto, para perceber-se a ocorrência do meio cruel no cometimento do delito. A decisão dos jurados, ao não acolherem esta qualificadora, afronta, inclusive, a prova pericial.
1.3. Motivo torpe. Caracteriza a torpeza o fato de o móvel do crime ter-se originado em briga anterior, envolvendo vítima e alguns dos agressores, iniciada na frente da boate "I." Nesse sentido as declarações dos menores, bem como testemunhas que mencionaram a ocorrência de tal desentendimento entre o grupo de agressores e o da vítima e seus amigos.
D. (fl. 291) declarou que na noite dos fatos o depoente estava no interior da boate S. C. quando, em dado momento, foi atingido por um soco por A. (vítima), "que tinha se incomodado com o fato de o depoente haver dançado com a moça que acompanhava a vítima. Quando o depoente saiu da boate, na rua estava A. e mais dois ou três (...) Na frente da boate houve uma briga entre A. e esses dois ou três companheiros, de um lado, contra o depoente, que então foi ajudado pelos acusados A., A. e P. C., e ainda pelos adolescentes L. F. O. M. e F. F." Posteriormente, veio a polícia e apartou a contenda. Estas desavenças ocorridas antes dos fatos geraram o desejo de vingança, motivadora do crime em tela.
Narra o apelante (fl. 150 – polícia) ter visto o adolescente D. ("R.") arrancando um pedaço de pau que protegia uma árvore e dirigiu-se até ele; "perguntou o que estava acontecendo, momento em que ele mostrou ao declarante um ferimento no braço esquerdo e disse que uns caras tinham dado uma surra nele. Que o declarante, então, pediu que "R." esperasse um pouco, pois iria até sua casa buscar seu revólver, e saiu depressa, retornando alguns momentos depois..."
Este fato não afasta a qualificadora, pois, segundo narra, "R." pretendia vingar-se, e o apelante buscou a arma, a fim de ajudá-lo. Também o não-acolhimento desta qualificadora constituiu--se em decisão manifestamente contra a prova dos autos.
2. Novo julgamento somente pelas qualificadoras, contrárias à prova dos autos. O Ministério Público postula novo julgamento tão-somente para a análise das qualificadoras. Com razão, pois o conteúdo condenatório da decisão, afirmando a participação do acusado no delito, transitou em julgado.
“1.2. Meio cruel. O auto de necropsia (fl. 84), ao atestar o elevado número de lesões sofridas pela vítima, demonstra a ocorrência da qualificadora do meio cruel, pois mostra ter havido sofrimento desnecessário infligido a A. antes da morte.

O meio cruel transparece da violência empregada no cometimento do crime, pois os réus, de forma desumana, desferiram golpes na vítima com tamanha violência a ponto de causar sua morte por traumatismo crânio encefálico. Lê-se, no exame pericial: "Houve afundamento do osso frontal e mandíbula (arcada dentária inferior). O cérebro ficou exposto através do ferimento da região frontal". Aliás, basta verificar-se a foto do rosto desfigurado da vítima (fl. 87), com o cérebro exposto, para perceber-se a ocorrência do meio cruel no cometimento do delito. A decisão dos jurados, ao não acolherem está qualificadora, afronta, inclusive, a prova pericial”.

 Por: Bianca Mariano Bernardo Dias
Anelise Castelani Magri
Bruna Helena Domingues
Sabrina Kelly Darcie

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