quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Ação Penal e os Crimes Contra a Dignidade Sexual

1.Introdução
Partindo do principio de que o legislador quando promoveu as alterações nos crimes contra a dignidade sexual (Lei nº 12.015/2009), teve o intuito de trazer melhoras, vale salientar que mesmo realmente havendo benefícios a nova lei acabou deixando lacunas e divergências quanto a eficaz aplicação e especialmente quanto o procedimento para ingresso a ação penal, quando o legislador pensou no resguardo a intimidade da vitima em prejuízo da perseguição obrigatória ao sujeito ativo.
O Código Penal Brasileiro atual em seu art. 213 e seguintes, mostra as possibilidade em que o agente pratica crime contra a dignidade sexual e a pena aplicada a este, tendo em vista o Principio da Legalidade.
O legislador, reconhecendo a importância do bem jurídico tutelado, resolveu dedicar um titulo único para descrever os crimes contra a dignidade sexual, com a intenção de reprimir de maneira mais eficaz tais condutas.


2. Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual

2.1 Surgimento
Os crimes contra a Dignidade Sexual teve surgimento pela necessidade de se proteger à moral e os bons costumes com normas incriminadoras. Normas estas que foram desenvolvidas para promover o bom convívio entre a sociedade. Em 1940 pelo ponto de vista repressivo do Código Penal, surgiu a perspectiva da punição pelo Estado para o individuo que violasse tal direito.
Nesse ponto de vista o doutrinador Edgard Magalhães Noronha:

“Nada perderia a lei se utilizasse o Titulo “Crime contra o Pudor”, tendo em vista que todos os delitos que compuseram esse Titulo tiveram como denominador comum, a ofensa a esse sentimento individual e social, além de que essa expressão estaria mais ao alcance do povo por ser o pudor vulgarmente conhecido como sentimento de pejo ou vergonha suscitado por um ato de natureza sexual”.


Mas independente do titulo, o bem jurídico tutelado pela lei, primordialmente seria a dignidade da pessoa humana, que com amparo constitucional, o legislador tratou de forma especifica os crimes contra dignidade sexual por conta de sua importância.
Alguns doutrinadores defendem que, “o vértice interpretativo deve atentar sobre a existência de lesão ou perigo a dignidade sexual dos envolvidos e não ao sentimento social sobre os fatos”, como Gustavo Octaviano Diniz Junqueira no livro “Elementos do Direito Penal” (p. 263), porém isso não é absoluta verdade.
Esta posição é discutível como demonstram pesquisas realizadas sobre o perigo que causa o sujeito ativo envolvido em tais crimes e, por isso o risco em que é colocada a sociedade que em respeito a intimidade da vitima, esse individuo fiquei livre para reincidir.
Ainda, é valido salientar, que a lei surge juntamente com as mudanças sociais e pelas necessidades apresentadas, como consequência disto, não se pode interpretar a norma, especialmente de ordem publica, com o pensamento voltado somente aos envolvidos direto com o delito.

2.1.1 Mudanças trazidas pela Lei 12.015/2009
Sobre o crime de estupro, previsto no artigo 213 do CP, o legislador abrangeu a sua aplicação, dando a possibilidade de não só a mulher, mas também o homem ser sujeito passivo do crime.
Com tal mudança, o atentado violento ao pudor deixou de ser considerado um tipo penal se integrando no mesmo artigo, não acontecendo, “abolitio criminis”, e sim a modificação de duas condutas antes diferentes em um único crime, o que veio a beneficiar vários indivíduos que respondiam por concurso de crimes e que agora tem a pena reduzida por se caracterizar um crime único.
Com o objetivo de tornar a lei mais severa, também tornou o crime de estupro de vulnerável como um crime hediondo, como já previsto nos casos de crime de estupro do artigo 213 do CP, revogou os casos que presumiam a violência do artigo 224 do CP, aumentando as penas de crimes sexuais contra adolescentes maiores de 14 e menores de 18 anos, ou ainda, quando for caso de lesão corporal de natureza grave.
As alterações geraram uma série de criticas, neste interim expõe o doutrinador Gustavo Octaviano Diniz Junqueira:
“A lei 12.015/2009, além do nome do Título, mudou a estrutura dos crimes e gerou celeuma pela falta de clareza de seus tipos.” (“Elementos do Direito Penal” – p. 263).  
          Assim, embora a lei tenha proporcionado mudanças, existem divergências no sentido de que elas não atenderam totalmente as necessidades da sociedade, ou seja, com relação ao principio da proporcionalidade, a lei não supriu a precisão da severa punição que tal fato pede.


2.1.2 Sujeito Ativo dos Crimes Contra Dignidade Sexual
         Segundo a maior parte da doutrina, o agente que comete crime contra a dignidade sexual, onde viola a intimidade da vítima e a moral da sociedade, tem grandes chances de voltar a cometer tais atos, gerando insegurança na sociedade, pois estando o individuo solto, poderá este fazer uma próxima vítima que pode ser qualquer pessoa.

Acontece que na grande maioria dos casos, a vitimas não apresentam a queixa-crime, não movendo ação penal privada afim de aplicar a punição ao individuo, por que querem resguardar a sua intimidade e segurança. Mesmo atualmente modificado pela lei, exigindo apenas à representação da vítima para que seja dado inicio a ação penal, acaba por deixar as mãos da vitima a possibilidade de punir o agente.

O autor de crimes sexuais, sendo um perigo a sociedade, não pode o Estado deixar nas mãos da vitima a decisão de punir ou não o individuo que cometeu tal crime, deixando o Ministério Público, dependente da representação da vitima para processar o criminoso, que na maioria dos casos voltará a delinquir.

      Assim sendo, a persecução e punição do autor de crimes contra a dignidade sexual, refletem, diretamente na sociedade, tendo em mente a possibilidade de reincidência, que vem atingir a segurança social, sendo a prisão dos agentes, medida de efetiva resposta a uma coletividade e imprescindível para manter a ordem pública.


3. Da Ação Penal Nos Crimes Contra a Dignidade Sexual          
3.1 Mudanças da Lei
     Antes deste marco legislativo, os então chamados crimes contra os costumes estavam submetidos, em regra, à ação penal privada. Excepcionalmente é que tais crimes seriam de ação penal pública, ora incondicionada – se o crime fosse cometido com abuso do pátrio poder -, ora condicionada à representação do ofendido.
     A ação passou a ser pública condicionada à representação, tendo a legitimidade ativa passado ao Ministério Público, porém, ele necessita da representação da vítima para iniciar a persecução penal.
    Embora o Ministério Público tenha atualmente a titularidade da ação em qualquer das hipóteses previstas nos crimes contra a dignidade sexual, a condição à que ele fica submetido, ou seja, a representação do ofendido, acaba, em várias oportunidades, por gerar a impunidade do indivíduo que cometeu o delito.
    Com relação à exceção prevista no parágrafo único do artigo 225 do CP, anteriormente só havia previsão quanto à ação penal condicionada nos casos em que a vítima era pobre, e apenas incondicionada se o crime era cometido com abuso do poder familiar, ou com violência real, de acordo com a Súmula 608 do STF. A nova lei 12.015/2009, no entanto, também tratou de alterar a exceção, tendo em vista que, atualmente, o parágrafo único do artigo 225 do CP tem a seguinte redação:
Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável”
      Ou seja, a lei teria a intenção de proteger as vítimas que fossem menores de idade, bem como as vulneráveis, tendo em vista a maior fragilidade dessas pessoas.
      Essa atenção do legislador deveria abranger não somente a estas vítimas, mas sim, a todas as vítimas dos crimes contra a dignidade sexual, assegurando, assim, a segurança de toda a comunidade, tendo em vista a gravidade do delito e a periculosidade do sujeito que o pratica.
     
4. Princípio Da Proporcionalidade

4.1 Conceito
 Ao buscarmos a palavra Proporcional no dicionário encontramos a seguinte definição: “em que há proporção correta, equilíbrio, harmonia.” (HOUSSAIS, 2001, p. 2313). Assim, o Princípio Constitucional da Proporcionalidade é utilizado como uma ponderação harmoniosa quando há colisão de direitos fundamentais, sejam eles de 1ª, 2ª ou 3ª geração, individuais ou coletivos. Afinal, sabe-se que os direitos fundamentais não são ilimitados ou absolutos, encontrando seus limites em outros direitos, também fundamentais.
Poderá em certos casos ter maior peso a honra e a vida privada e, em outros, a liberdade de expressão por exemplo. Sendo assim, não há como saber qual sempre prevalecerá, pois somente diante de um caso concreto, de uma hipótese fática e real é que se poderá decidir.


4.2 A Segurança Coletiva e a Intimidade da vítima

O artigo 5°da Constituição Federal de 1988, resguarda em seu “caput” os cinco direitos fundamentais: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” (art. 5°, “caput”, CF/88).
Em relação ao direito fundamental segurança, deve-se considerar que “é um direito de personalidade, inerente à necessidade de se desenvolverem as atividades por onde se expressa o modo de ser de cada um no mundo, sem que elas venham a ser objeto da arbitrária interferência de quem quer que seja”. (CHAVES, 1982, p. 497).
Sobre o outro direito fundamental, o direito de inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, previsto no artigo 5°, inciso X da Constituição Federal, a lei determina que: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
A razão de haver colisões entre direitos fundamentais, está ligada ao fato de que os direitos fundamentais não são absolutos ou mesmo ilimitados. A grande maioria da doutrina defende que, no caso dos crimes contra a liberdade sexual, a vítima sofreria ainda mais com a propositura da ação, mas, em detrimento disto, se esquecem que a sociedade sofre as consequências da não punição do agente infrator.
É necessário, portanto, que se pondere a situação, os direitos e os interesses em jogo. Desta forma surge o Princípio da Proporcionalidade no conflito entre Direito à Intimidade da Vítima e Direito à Segurança de toda sociedade. “O princípio da proporcionalidade exige que se faça uma ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato), e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena)”. (LOPES, 1999, p. 473).
  
5.Conclusão
            Mesmo a Lei 12.015/2009 tendo surgido para suprir as necessidades da sociedade, dando plenos direitos e deveres, para que possa ser resguardada as garantias fundamentais, não se pode afirmar que a lei atingiu seus objetivos, seja em um aspecto de severidade ou modificação do tipo de ação penal imposta.
            Com a realização de estudos mais aprofundados sobre as mudanças trazidas pela nova lei, discute-se a modificação de alguns artigos podendo resguardar a intenção do legislador, ou seja, a proteção da sociedade e das vitimas deste tipo penal.
            O principio da proporcionalidade tem por finalidade fazer aplicar-se o direito que for mais necessário e importante em conflito, sendo neste caso o direito da sociedade como um todo, devendo-se interpretar a norma de forma que favoreça interesses coletivos não somente os individuais, posto que se encontram aparentemente em conflito.
            Vale ressaltar, que embora as interpretações a respeito de citada lei sejam divergentes, ela surgiu pelas necessidade e modificações da sociedade e vem para amparar e resguardar sua efetiva aplicabilidade.
            Não pode-se permitir a impunidade de criminosos dessa espécie por conta da privacidade ou intimidade da vitima, ou ainda fechar os olhos para o perigo da reincidência desses infratores cometedores de crimes contra a dignidade sexual, fundados no fato de que a persecução penal trará maiores prejuízos a vítima.
            Em nome do direito da proporcionalidade, a sociedade tem o direito de ver longe do convívio social os delinquentes de crimes contra a dignidade sexual, pois esse direito deve se sobrepor ao interesse privado da intimidade da vitima.
            Mesmo que a ação penal cause realmente constrangimento à vitima, não seria motivo suficiente para ser concedida a ela a opção de escolher se o Estado deve ou não punir esses criminosos, visto que o perigo e repugnância dos crimes que eles cometeram, já servem como base para a necessidade da persecução criminal ser incondicional delegada ao Estado que como representante da sociedade, busca punir os cometedores destes crimes.

Por: Alba Carolina da Silva
Ana Carolina de Mello Maldonado
Amanda Ap Dias Nogueira
Beatriz Pereira de Carvalho

Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Código (1940). Código Penal. Brasília: Decreto-Lei, 1940.
FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 6ª Ed., Rio de Janeiro, Ed. Guanabara Koogan, 2001.
CHAVES, Antônio. Tratado de Direito Civil. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1982.
GOMES, Hélio. Medicina Legal. 33ª Ed., Rio de Janeiro, Ed. Freitas Bastos, 2004.
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Elementos do Direito Penal. 9ª Ed., Editora RT, 2010.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal.4.ª ed.; São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. São Paulo, Ed. Saraiva 2000.
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual – Comentários à lei 12.015/2009. Editora RT, 2009.
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito à intimidade e à vida privada. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.



Nenhum comentário:

Postar um comentário