sábado, 14 de novembro de 2015

Direito Processual Penal - Capítulo II

O processo penal tem como finalidade primordial e específica disciplinar as normas jurídicas concernentes à aplicação e dosagem correta da pena, atribuindo ao autor do fato típico a sanção correspondente a norma jurídica violada.
Dentro da processualística brasileira, o processo penal é o ramo mais importante do Direito, haja vista que disciplina e decide sobre o “status libertatis” do cidadão brasileiro.
O inquérito policial nada mais é do que o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária, com a finalidade de apurar a autoria e a materialidade de uma infração penal, para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo pedindo a aplicação da lei ao caso concreto.
A persecução penal divide-se em duas fases distintas: a fase administrativa e a fase judicial. a primeira fase é realizada através do Inquérito Policial e a segunda fase é realizada em Juízo, pelo órgão acusatório (Ministério Público ou o ofendido).
Posto isto, concluímos que a finalidade do Inquérito Policial é a de apurar a ocorrência de uma infração penal, sua materialidade e conseqüente autoria.
O Inquérito Policial é uma peça meramente investigatória, escrita e sigilosa. É através deste procedimento administrativo, realizado pela polícia judiciária, que se colhem elementos e evidências necessárias para fundamentar uma eventual ação penal.

a) Peça Investigatória: o Inquérito Policial se destina a fazer investigações sobre o fato criminoso e de seu autor. Dentro do Inquérito Policial existem diversas peças dentre as quais podemos destacar - o indiciamento do acusado, declarações da vítima, oitiva de testemunhas, perícias, portaria.
O Inquérito Policial é também chamado e classificado como “inquisitivo”, pois o acusado não é pessoa de direitos, mas sim sujeito e objeto de investigações.

b) Peça Escrita: o Inquérito Policial é sempre escrito, atualmente ele é datilografado.

c) Peça Sigilosa: é sigiloso, porque no curso das investigações policiais deve preponderar o interesse da coletividade e principalmente o direito do acusado.

O advogado não participa ativamente do Inquérito Policial, mas deve, sempre que possível, acompanhar o seu cliente nas eventuais diligências (como no interrogatório e nas perícias) e tomar conhecimento das provas colhidas, haja vista que na fase inquisitorial o acusado está sempre sujeito a constrangimento e abusos por parte da polícia judiciária.
Também pode o advogado, dentro do Inquérito Policial, peticionar ao Delegado de Polícia solicitando alguma diligência ou produção de alguma prova, mas fica a critério da Autoridade Policial atender ou não a solicitação.
É direito do advogado examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, qualquer Inquérito Policial, findo ou em andamento ainda que concluso à Autoridade Policial, podendo copiar peças ou tomar apontamentos- ex vi artigo 7o., inciso XIV do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
É de suma importância salientar que o advogado não interfere no Inquérito Policial no sentido de fazer defesa de seu constituinte, mas sempre deve acompanhar e fiscalizar a colheita das provas a fim de que o réu não seja prejudicado futuramente.
Muitas vezes a Polícia Judiciária separa o acusado dos demais detentos, com o fito de que o acusado não influa nas investigações e na colheita das provas durante a fase do Inquérito Policial. É o que se denomina de “incomunicabilidade”, onde o acusado fica recolhido em cela separada pelo prazo máximo de 03 (três) dias.Tal proibição, não atinge o advogado que poderá livremente comunicar-se com o acusado, reservadamente. Tal direito do profissional da área do Direito está previsto no Estatuto dos Advogados em seu artigo 7o., inciso III da Lei 8.906/94.
O impedimento ou o desrespeito a norma, evitando que o advogado entreviste-se normalmente com o preso constitui verdadeiro constrangimento ilegal, passível de impetração de ordem de Hábeas Corpus contra a Autoridade Coatora.

O Inquérito Policial é instaurado:

a) Por Auto de Prisão em Flagrante Delito;
b) Por Portaria da Autoridade Policial;
c) Através de requerimento por escrito do ofendido;
No primeiro caso, o processo penal tem início quando o acusado é preso cometendo a infração penal, logo após cometê-la ou quando após o delito ele é surpreendido com instrumentos, objetos que façam presumir a autoria do delito. Inicia-se com a peça processual denominada “Auto de Prisão em Flagrante Delito”.
No segundo caso, o Inquérito Policial tem início de ofício, mediante a simples comunicação à Autoridade Policial da ocorrência de um delito. É a denominada “notitia criminis”.
O Inquérito Policial também poderá ter início através de iniciativa do ofendido ou de seu representante legal, levando a “notitia criminis” ao Delegado de Polícia ou representando a ele a ocorrência do fato por escrito.
Nos casos de crimes de ação penal privada, o Inquérito Policial só será instaurado mediante requerimento por escrito do ofendido ou de seu representante legal.

O Inquérito Policial também pode ser instaurado:

a) Por requisição do Ministério Público ou da Autoridade Judiciária (Juiz);

b) Por requisição do Ministro da Justiça.

Quando o delito depender de representação, o ofendido deverá representar a Autoridade, manifestando o seu desejo de ver o seu agressor processado.
A representação é o ato pelo qual o ofendido ou seu representante legal, manifesta à Autoridade Policial o seu desejo de ver processado o seu ofensor. O “dominus littis” da Ação Penal, nos casos de delitos que dependem de representação é sempre o Promotor de Justiça.
O Inquérito Policial, por ser uma peça meramente investigatória e inquisitiva, tem sempre valor probatório relativo. O Inquérito Policial tem valor probatório como qualquer outra prova, não valendo mais e nem menos do que outras (sistema de valoração das provas e princípio do livre arbítrio e convencimento do Juiz).
Se o acusado estiver preso, a polícia tem o prazo de 10 (dez) dias para concluir, relatar e remeter o Inquérito Policial a juízo. Se estiver solto, o prazo para concluir, relatar e remeter o Inquérito Policial a juízo é de 30 (trinta dias). O que ocorre na prática é que, se o réu estiver solto, muito raramente o Inquérito Policial se finda nos trinta dias, sendo comum o pedido de dilação de prazo para conclusão do procedimento administrativo.
Depois de realizadas todas as diligências necessárias a apuração do delito, a Autoridade Policial encerra o Inquérito Policial com o seu Relatório, onde esta narra minuciosamente ao Juiz os fatos objetos do procedimento inquisitório.

Relatado o Inquérito Policial, o Ministério Público pode:

a) Oferecer Denúncia contra o acusado;
b) Opinar sobre o arquivamento do Inquérito Policial;
c) Requerer a devolução dos autos à Delegacia de Polícia para a realização de novas diligências que entender necessárias para o esclarecimento da verdade (acareações, perícias, oitiva de novas testemunhas, requerer o formal indiciamento do acusado, etc.)
No primeiro caso, com a Denúncia inicia-se o processo criminal em Juízo, e sua tramitação regular segundo o procedimento adotado para cada crime.
No segundo caso, arquivado os autos o acusado não terá contra si nenhuma ação penal, encerrado está o procedimento policial.
No terceiro caso, nada impede que depois de remetido e relatado o Inquérito Policial, o Ministério Público peça ao Juiz a devolução dos autos a Autoridade Policial a fim de que esta realize as diligências requeridas pelo órgão acusatório.
 A Autoridade Policial jamais poderá arquivar qualquer Inquérito Policial, haja vista que se trata de atribuição do Juiz de Direito, após manifestação do órgão do Ministério Público.
Sendo arquivados os autos de Inquérito Policial, pelo Juiz, a pedido do Ministério Público não pode ser iniciada a Ação Penal sem novas provas. Veja a este respeito a Súmula 524 do STF.
A classificação da infração penal pela Autoridade Policial é sempre provisória, podendo ser alterada a qualquer tempo pela Denúncia ou pela sentença.
O Réu Menor é aquela pessoa que é menor de 21 (vinte e um) anos e maior de 18 (dezoito anos) quando da prática do delito.
Curador é aquela pessoa que acompanha o menor acusado evitando constrangimento ou abusos contra ele na fase policial ou em Juízo. Age o curador como defensor dos direitos do acusado na fase policial e na fase judicial.
Na fase policial a falta de curador constitui mera irregularidade, mas no caso de prisão em flagrante delito a presença do curador é essencial, sob pena de relaxamento da prisão em flagrante. Já na fase judicial, a ausência do curador para defender os interesses do acusado implica em nulidade, pois se trata de formalismo indispensável e necessário.
Como dito alhures, o curador pode ser qualquer pessoa, mas entendemos que deve ser preferentemente um advogado, visto que o profissional é o responsável pela defesa, do acusado em Juízo quando da ação penal. Não há exigência legal quanto a qualidade profissional do curador nomeado para assistir o acusado na fase policial, podendo a designação recair sobre acadêmico estagiário ou qualquer pessoa idônea. Não pode, porém, ser curador, analfabeto e sem condições de exercer o múnus.
A Identificação Datiloscópica nada mais é que a identificação criminal do autor da infração penal através de uma planilha, onde é colhido pela Autoridade Policial, os dados pessoais e sua identificação pelo meio de colheita de impressões digitais.
A Constituição Federal dispõe que o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal. Utiliza-se para tal fim, a Carteira de Identidade ou meio equivalente. Existindo dúvida a respeito da identidade do acusado (v.g. quando há suspeita de uso de documento falso), poderá ser o acusado identificado criminalmente. Tal procedimento ocorre nos casos em que existem fortes presunções de autoria e materialidade do delito, quando existe praticamente certeza e convicção de que o acusado seja o autor do crime a ele imputado.
Se houver dúvida, é melhor que o acusado seja ouvido em Declarações, sendo indiciado “a posteriori” quando existir nos autos elementos de convicção que apontem o acusado como autor do delito. No meio policial indiciamento é a mesma coisa de “fichado”.
Em termos jurídicos, pode-se conceituar indiciamento como simplesmente “a formalização da acusação, por existir contra os acusados elementos de convicção que levem a conclusão da autoria do delito”.
Existindo algum eventual vício no Inquérito Policial, este vício não anula a ação penal, uma vez que se trata de peça meramente informativa, inquisitória e administrativa. Nunca se deve falar em nulidade da ação penal por vício contido no Inquérito Policial.
O mero indiciamento em inquérito policial não constitui constrangimento ilegal a ser sanado por intermédio de hábeas corpus.
O princípio do contraditório é inaplicável ao inquérito policial, posto que inexista instrução criminal e sim investigação criminal de natureza inquisitiva.
Nada impede que a autoridade policial de uma circunscrição investigue delito praticado em outra, que repercuta em sua competência.
A decisão condenatória baseada exclusivamente no inquérito policial contraria o princípio constitucional do contraditório. Em outra oportunidade o STF decidiu que o inquérito policial não pode servir como suporte para uma decisão condenatória, porque as provas testemunhais só adquirem valor probatório quando repetidas em Juízo.
O inquérito policial não é imprescindível ao oferecimento da denúncia ou da queixa, desde que a peça acusatória tenha fundamento em dados de informação suficientes à caracterização da materialidade e da autoria do delito.
O desconhecimento da autoria do crime não impede a instauração do Inquérito Policial, haja vista que o inquérito tem como finalidade apurar a materialidade e a autoria do delito. A autoridade policial ao tomar conhecimento da prática de um crime deve sempre instaurar o Inquérito, não se trata de faculdade, mas sim de dever. Nos crimes de ação penal pública condicionada a representação, o delegado não pode instaurar o inquérito sem o oferecimento da representação, que é uma condição de procedibilidade.
A não nomeação de curador a indiciado menor durante o Inquérito Policial não tem nenhuma conseqüência.
Constitui constrangimento ilegal o desarquivamento de inquérito policial e conseqüente oferecimento de denúncia e seu recebimento sem novas provas. Ao revés, o desarquivamento de inquérito policial diante de outros elementos de prova, não constitui nenhum constrangimento ilegal. Novas provas são somente aqueles elementos probatórios que produzem alguma alteração probatória sobre a materialidade e a autoria do delito, devendo ser inovadora.
É irrecorrível o despacho que determina o arquivamento ou desarquivamento do Inquérito Policial, não cabendo recurso de qualquer espécie. O arquivamento do inquérito policial não pode ser feito de oficio pelo juiz, sem ouvir previamente o órgão do Ministério Público.
O inquérito policial é instaurado de acordo com a localidade que se consumou a infração, também não se impede que o inquérito policial seja distribuído pela competência em razão da matéria (tóxicos, roubo a banco, delegacia da mulher).
O professor Júlio Fabrini Mirabete entende que a incomunicabilidade foi revogada pela nova Constituição, asseverando que o preso, quando no país for decretado o Estado de Sítio, é vedada a sua incomunicabilidade, entendendo assim o legislador na situação especial, porque então não aplicá-la na situação geral? Já o professor Damásio E. De Jesus entende de forma diversa.
O Delegado de Polícia tem livre arbítrio no Inquérito, pode ele, por exemplo, ouvir 3 testemunhas, como ouvir 50 testemunhas, a sua função é angariar provas e elementos sobre a materialidade e a autoria do delito.
O juiz ao deferir a dilação de prazo deve sempre fixar novo prazo para a conclusão do Inquérito Policial, prazo este nunca superior a 30 (trinta dias).
Por fim, deve ser acrescentado que com o advento da Lei 9.009/95, não se instaura mais inquérito policial nos crimes de menor potencial ofensivo[1] e nas contravenções penais, mas sim um Termo Circunstanciado de Ocorrência.
Referida matéria será tratada com maior profundidade no capítulo inerente aos Juizados Especiais Criminais.












Na maioria dos delitos previstos em nosso Código Penal, o direito de punir (jus puniendi) pertence exclusivamente ao órgão estatal, e o autor da ação penal, o dono da ação (dominus littis) é o Ministério Público.
Entretanto, existem delitos em que o interesse do ofendido à repressão do delito se sobrepõe ao interesse do Estado. Isto ocorre no caso dos crimes averiguados por intermédio da Ação Penal Privada, segundo o qual o Estado transfere ao particular o direito de perseguição e de acusar (jus acusationis).
A Ação Penal Privada tem início por intermédio de uma peça processual denominada de queixa crime, que,  grosso modo, é a mesma coisa que a Denúncia, nos crimes de Ação Penal Pública Incondicionada ou Condicionada à Representação.
A Queixa Crime deve ter os mesmos requisitos da Denúncia, que são os seguintes:

a) a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias;

b) a qualificação do acusado ou esclarecimentos que possam identificá-lo;

c) a classificação do crime;

d) quando necessário, o rol de testemunhas.


Também existe uma diferença primordial entre a Queixa Crime e a Denúncia, quanto ao seu subscritor: na Denúncia o subscritor é o membro do Ministério Público; enquanto que na Queixa Crime é o procurador do ofendido (advogado) com poderes expressamente outorgados.
É requisito essencial que a procuração “ad judicia”, outorgada ao advogado do ofendido para a propositura da Queixa Crime, contenha em seu corpo, os poderes especiais que autorizam aquele profissional do Direito a propor a Queixa Crime e que na própria procuração este narre os fatos tidos como delituosos - “narração sucinta dos fatos criminosos”.
Também são requisitos da Queixa Crime, “ex vi” do artigo 43 do Código de Processo Penal:

a) que o fato narrado constitua crime, ao menos em tese;

b) que não esteja presente nenhuma causa extintiva de punibilidade;

c) que as partes sejam legítimas e que não falte condição exigida por lei, para o exercício da Ação Penal.

Nenhum crime apurado por meio de Ação Penal Privada pode ser feito através do Ministério Público, pois falta a este legitimidade para agir, atuando o Ministério Público na Ação Penal Privada, como apenas e tão somente “custos legis”- fiscal da lei.
Para a instauração do inquérito policial nos crimes de ação penal privada, a “conditio sine qua non” é o requerimento por escrito do ofendido à Autoridade Policial para que esta comece o procedimento criminal contra o ofensor da norma penal.
Antes do advento do Estatuto da Mulher Casada, a mulher não podia sem o consentimento (outorga uxória) de o marido promover a Ação Penal Privada, segundo o que dispunha o artigo 35 do Código de Processo Penal. Hoje, com o advento na nova Constituição Federal, a mulher pode livremente promover e oferecer a Queixa Crime, mesmo sem a autorização de seu marido.
Como em todos os demais crimes, o Inquérito Policial é desnecessário para o oferecimento da Queixa Crime, desde que o ofendido possua em mãos peças informativas com as quais se conclua a existência de indícios suficientes de autoria e de materialidade.
Caso contrário, o Inquérito Policial torna-se necessário e pode até ocorrer que a Queixa Crime seja rejeitada pelo Juiz por falta de justa causa.
A Queixa Crime somente pode ser oferecida pelo ofendido ou pelo seu representante legal.
Para sabermos se um crime se processa pelo intermédio de Ação Penal Privada, basta atentarmos para a Parte Especial do Código Penal, onde constará a expressão “somente se procede mediante queixa”. Contendo esta expressão o crime será averiguado mediante Ação Penal Privada.
A Ação Penal Privada Personalíssima é aquela ação penal privada que só pode ser promovida pelo ofendido. Somente o ofendido pode exercer o “jus puniendi”. São exemplos de Ação Penal Personalíssima: o adultério (artigo 240 do Código Penal) tipo este já revogado pela 11.106/05, e induzimento a erro essencial e ocultação de casamento (artigo 236 do Código Penal). Neste passo deve ser registrado que atualmente a única possibilidade de ação penal privada personalíssima é o caso de ocultação de vício de casamento (CP, art. 236), tendo em vista que o delito de adultério foi revogado pela Lei 11.106/05, típico caso de abolitio criminis



[1] Crimes de menor potencial ofensivo são todos os delitos cuja pena máxima seja igual ou inferior a dois anos que são de competência do Juizado Especial Criminal que será tratado em capítulo à parte.

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